Sobre a Visita Canônica (São José Marello - Cartas Pastorais)

SOBRE A VISISTA CANÔNICA
1890

J O S É      M A R E L L O

Bispo de Acqui



Ao Venerável Clero e Diletíssimo Povo da Cidade e Diocese.

SAÚDE E BENÇÃO DO SENHOR


No ato em que vos comunicamos, ó Veneráveis Irmãos e Filhos em Cristo Diletíssimos, a graça do Indulto Quaresmal que  a benignidade do Santo Padre concede também este ano à nossa Diocese, temos ainda a doce consolação de Anunciar-vos a Sagrada Visita Pastoral. Estamos prestes a cumprir um dos mais graves e ao mesmo tempo mais agradáveis deveres do nosso ministério, e com o auxílio de Deus, após ter celebrado as Santas Festas Pascais com os diletos Filhos desta Cidade, dirigiremos os passos para visitar aqueles não menos diletos que estão espalhados pela Diocese. Como um pai amantíssimo que tenha uma família numerosa e não toda recolhida ao redor de si, mas dividida por vários lugares, não pode deixar de visitá-la de vez em quanto para mostrar-lhe o seu  o seu afeto, informar-se das suas necessidades e, como puder, auxiliá-la, dar avisos salutares e, quando for necessário, corrigir amorosamente: assim o Bispo, a quem não é concedido ter sempre junto de si reunidas todas as ovelhinhas do rebanho que Deus lhe tem confiado, vai visitá-las por toda parte, a fim de tornar a todas participantes, dos bens espirituais que pelo seu ofício pastoral lhe cabe dispensar. O vosso Bispo virá, então, entre vós, ó Diletíssimos, para o bem das vossas almas; virá, segundo o mandato que recebe da Igreja, para cuidar que em meio a vós mantenha-se íntegra a doutrina de Jesus Cristo, conservem-se os costumes cristãos, floresçam a Religião, a inocência e a Paz. [S. Con. Trid. Sess. XXIV, C. 3).
Manter-vos e confirmar-nos na fé e na prática das virtudes cristãs: eis o objetivo da nossa Visita.
Sem a fé, aquela fé que vos é ensinada pela Igreja, é impossível agradar a Deus [Paul.  ad Hebr. X1, 6): depois como nos adverte o Apóstolo São Tiago, à fé devem corresponder as obras. Qual a vantagem, diz ele, qual a vantagem, meus irmãos, se alguém afirma Ter fé e não tem as obras? A fé poderá, acaso, salvá-lo? E responde: a fé sem as obras é em si mesma morta; e acrescenta: como o corpo sem espírito é morto, assim também a fé sem as obras é morta ( C. II. 19). Jesus Cristo mesmo havia dito: aquele que ouve as minhas palavras e não as põe em prática é semelhante a um homem insensato que construiu sua casa sobre a areia. Caiu a chuva, vieram as enchentes, sopraram os ventos e investiram contra aquela casa, e ela caiu, e grande foi a sua ruína (Mth. VI. 26.27).
Não basta portanto dizer: eu creio nas verdades da fé, aceito o ensinamento da Igreja, reconheço a sabedoria das suas prescrições, presto obséquio ao Vigário de Jesus Cristo, sinto-me honrado com o nome de cristão; mas convém que a tal profissão de fé corresponda o cumprimento dos deveres que ela impõe. Tu crês, ó meu filho; e bem sabes que Jesus Cristo instituiu um sacramento para atender às necessidades da tua consciência: portanto, deves purificar a tua alma no tribunal da Penitência. Tu crês; sabes o testamento do Divino Redentor, que não satisfeito de encarnar-se por teu amor, sofrer e morrer para recuperar-te o paraíso, quis também dar-te um penhor da beatitude futura com o Sacramento da Eucaristia: deves portanto confortar a tua alma aproximando-te da mística mesa. Tu crês que a Igreja tenha a autoridade para determinar com as suas restrições de que modo os fiéis devam seguir os preceitos gerais do Divino Mestre: estás portanto obrigado a conformar-te sempre às suas ordens. Deus quer que seja santificado o dia festivo; o Divino Mestre te adverte mil vezes da necessidade de rezar; a Igreja especifica os dias a serem consagrados de modo particular ao Senhor e nos quais, mais especialmente que nos demais tens a obrigação de elevar até Ele o teu coração; impõe-te o preceito de assistir nestes dias ao Santo Sacrifício da Missa, de abster-te de certas ocupações que poderiam distrair-te das santas solicitudes do céu: não deves, portanto consumir no cuidado de teus interesses temporais e até em passatempos mundanos aqueles horas que Deus quer consagradas a si e aos interesses da tua alma.
Deus ajude, ó Diletíssimos, que nos possamos encontrar a todos firmes na crença cristã e observantes dos deveres que ela nos impõe; que por toda parte possamos encontrar consolantes testemunhos da vossa fé operosa. Visitaremos as nossas Igrejas, e temos confiança que nelas tudo nos dará testemunho da piedade que herdastes dos vossos ancestrais. A ornamentação dos altares, as imagens e as efígies de Nossa Senhora e dos Santos, as vasos sagrados, as alfaias, os paramentos e tudo quanto é necessário para o decoro da Casa de Deus, cada coisa nos há de falar do vosso amor ao culto divino, da nossa devoção a Jesus Sacramentado, à Virgem Bendita, aos celestes Patronos. Então poderemos reconhecer que fazeis do lugar santo o vosso encanto, e até mesmo a vossa presença, a vossa postura religiosa nos hão de dizer que de bom grado vindes ali para escutar a palavra de Deus, para assistir à celebração dos divinos ministérios, para participar dos santos sacramentos, para impetrar as graças  de que tendes necessidade a fim de conservar-vos cristãos não só no nome, na crença, mas também no exercício das obras que a ela correspondem. Aqui, ó Diletíssimos, aprendestes a conhecer Deus e o infinito amor que Ele nutre por vós. Aqui prometestes amá-lo de todo o coração, sobre todas as coisas, por toda a vida: e obtivestes d'Ele a promessa de auxílios para observardes a sua santa lei e conseguirdes depois o prêmio da vida eterna. Depois daqueles dias de inocência talvez não poucas vezes tenhais faltado com a vossa promessa, mas Ele jamais faltou com a sua. Voltando a Casa do bom Deus ali reencontrastes novas provas do seu amor paterno: experimentando a vossa fraqueza na queda, reconhecestes sua força sem par para reerguer-vos e perseverar no bem. Infelizes de vós, se não houvésseis retornado ao seio desde Pai misericordioso! Para onde vos teriam arrastado as vossas paixões, aquelas paixões cuja violência todos sentimos, e que se não são, com divina graça, por nós refreadas, obscurecem nosso intelecto, corrompem nosso coração, pervertem nossa vontade e nos  vem arrastar a toda sorte de grave delito? Vós, em vez, assíduos na escola do Santo Evangelho, aprendestes a combatê-las, e com os auxílios que a religião vos propicia conseguistes dominá-las.
Dizei-me, é adolescentes, não é na Igreja que começastes a conhecer o nosso Criador, a inclinar por amor a Ele os vossos corações ao bem a ser dóceis, obedientes, prestativos aos pais; onde é que aprendestes a conhecer, a amar aquele Jesus que quis fazer-se menino como vós a fim de que pudésseis imitar a Ele naquela simplicidade, aquela modéstia, aquele candor que vos torna tão amáveis e como que anjos sobre a terra? Não é na Igreja, onde sentis que Ele 1>.os circunda e protege a vossa inocência com as suas bênçãos, com aquele amor, o mais carinhoso, por vós que o faz
terrível e lhe põe nos lábios palavras assustadoras contra quem quisesse ser pedra de tropeço para vós? (Mth. XVIII, 6). Ah! em verdade, é só com Jesus que vós, ó adolescentes, podeis preservar-vos da corrupção do mundo e conservar castos os vossos afetos, imaculado o vosso coração. ,
Pais cristãos, não é na Igreja que vindes buscar de Deus a luz e a força para cumprir os graves deveres do vosso estado? Não é aqui onde foi solenemente abençoado o vosso amor à pessoa que havíeis escolhido como companhia indivisível por toda a vida? Onde pelo sacramento que o Apóstolo chama grande (ad Eph. V. 32) tivestes um penhor das bênçãos que vos assistem na educação dos filhos, que asseguram a concórdia e a paz nas vossas famílias?
Ó ricos, não é na Igreja que vós escutais as terríveis palavras de Jesus Cristo: muito mais difícil é, que um rico entre no Reino de Deus! (Marc. X, 23). E por quê? Será que o mal está em ser rico? Claro que não, se legítima for a posse das riquezas: o mal é apegar a elas o nosso coração: pois as riquezas - e quão amiúde! - atraem para si o coração do homem. Mas vós ouvis também da mesma boca divina: Bem-aventurados os misericordiosos [Math. V, 7) e aprendeis também de Jesus que o modo de tornar as vossas riquezas não só inócuas, mas grandemente vantajosas à saúde eterna, é dar em esmola aquilo que sobra [Luc. II, 41). Então na presença de Deus vós compreendeis melhor a grande lei da caridade, daquela caridade que nos une todos n'Ele e nos impele a praticar o bem reciprocamente, todo o bem possível; que torna precioso este bem dando-lhe tal valor como se fosse feito ao próprio Deus. 0hl não haverá de repetir o Juiz Divino no dia das eternas retribuições, que todo favor, por pequeno que seja, prestado ao menor dos seus irmãos (e com tal nome se compraz em chamar singularmente os humildes, os tribulados, os desamparados desta terra) Ele, o teve como favor prestado a Si mesmo? “Amen dico vobis, quamdim fecistis uni ex his fratribus meis minimis mihi fecistis” (Math. XIV, 40). Assim, ó ricos, aprendeis a assegurar-vos um juízo de misericórdia e os bens eternos do céu fazendo com que as riquezas terrenas sirvam àquele fim para o qual as recebestes de Deus.
E vós, ó pobres, na casa de Deus não podeis esquecer que Jesus vos chama de bem-aventurados, e os assegura o reino dos céus em recompensa pela vossa resignacão, pelo vosso espírito de sacrifício aqui na terra. Beati pauperes quia vestrum est regnum Dei. (LC. VI, 20). Recordai que Jesus quis nobilitar a vossa humilde condição fazendo-se ele mesmo pobre. Não tendes senão um miserável casebre: mas Ele nasceu em um presépio, Ele não teve onde repousar a cabeça. (Lc. IX, 58). As fadigas vos pesam; mas Ele foi tido por filho de um carpinteiro e suou em uma oficina. Vos sois desprezados; mas Ele suportou as calúnias, os insultos, os opróbrios e até mesmo a morte para as segurar-vos uma felicidade eterna. Confortando-vos nestes santos pensamentos vós sufocais no vosso coração toda mágoa, todo sentimento de inveja: agradecei ao Senhor que tornou fácil para vós, muito mais que para os ricos, a posse do paraíso: achegai-vos mais e mais àquele Jesus que vos chama e vos atrai com aquelas dulcíssimas palavras: Vinde a mim vós todos que estais fadigados e sobrecarregados e eu vos aliviarei; tomai sobre vós o meu jugo e aprendei de mim que sou manso e humilde de coração e encontrareis alívio para as vossas almas. (Mth. XI, 28,29).
E mais, se alguém entre vós, ó Diletíssimos, não conhecesse - por infelicidade sua - as inefáveis doçuras de encontrar-se unido com os confrades na casa do Pai Celeste e dela estivesse afastado pelo pecado, oh! Nós esperamos que na ocasião da Sagrada Visita queira lembrar da infinita misericórdia de Deus e prontamente retornar ao seu seio amoroso. Assim todos, com a consciência tranqüila e com a paz no coração, tereis o gáudio espiritual
de unir-vos ao vosso Bispo, nas Sagradas funções que irá celebrar. Juntos nos dirigiremos para o lugar onde repousam os ossos dos vossos pais, irmãos, esposa, filhos, parentes, amigos, e naquele sacro recinto, entre aqueles túmulos silenciosos, imploraremos de Deus o descanso eterno para as almas benditas dos vossos caros defuntos. Assim quer a divina bondade que, enquanto permutamos entre nós o auxílio da oração, não esqueçamos os falecidos, e paz aquele vínculo de caridade, que ainda hoje nos une a eles, tornemo-los partícipes daquelas riquezas espirituais que podemos entesourar para vantagem nossa e deles.
Teremos então, ó Diletíssimos, a consolação de celebrar a Santa Missa nas vossas Igrejas e em benefício das vossas almas, e de fazer-vos participar conosco da mesa sagrada, distribuindo-vos de nossa mão o pão dos anjos. Nós esperamos que vos aproximareis todos desta mesa celeste para revigorar vossa alma e para enriquecê-la com a indulgência Plenária que o Sumo Pontífice Leão XIII concede àqueles que, tendo confessado e comungado, visitarem a própria Igreja paroquial e ali rezarei devotamente em sua intenção.
Juntos, ó genitoras, participaremos de uma dulcíssima e santa alegria quando nos forem apresentadas as vossas crianças para que assinalemos suas testas com o sagrado Crisma e façamos descer sobre elas o Espírito Santo, que as plenifique de seus multíplices dons e imprima em suas almas aquele caracter indelével que deve fazer delas perfeitos cristãos.
O Espírito Santo infundirá nos seus corações um desejo mais vivo de conhecer, de observar a lei de Deus e vós, ó pais, naqueles momentos solenes renovareis o propósito de cuidar sempre com toda solicitude a fim de que e]es, a vosso exemplo, se mantenham constantemente fiéis àquela lei.
Que santa jornada passareis, ó Diletíssimos, em união com o vosso Pastor se vierdes assistir aos santos exercícios que a Igreja vossa mãe vos propõe e que em nome de Deus vos endereçaremos com paterno afeto; se de vossa parte tornardes eficazes os atos do ministério pastoral que deveremos cumprir entre vós. Oh! desde já elevemos juntos fervorosa oração a Deus, para que a Sagrada Visita redunde por toda parte em maior glória para Ele e em santificação para as almas; a fim de que ninguém fique privado daquelas vantagens espirituais a que a mesma Visita está ordenada.
Ao rezar mutuamente por nós, por esta Diocese, não esquecemos as necessidades da Igreja universal, e rezemos de modo especial por aquele que de Deus recebeu seu supremo governo, pelo Santo Padre Leão IIII, que tem consagrado ao bem da Igreja cada ensinamento de sua mente elevada, cada afeto do seu grande coração, a solicitude de cada instante de sua vida, Desta iluminada operosidade em vantagem do povo de Cristo uma prova recente nos é dada na admirável Encíclica Dei principali doveri dei cittadini cristiani, que Nós temos o prazer de vos anunciar. Oh! rezemos ao Senhor para que lhe conceda vez acolhidos por todos os seus salutares ensinamentos, praticados por toda parte aqueles deveres de que se entretece a vida 40 verdadeiro cristão.
Outrossim, rezemos pelo nosso Augusto Soberano, pela Família Real e pelos Poderes do Estado. Rezai, ó V,I. e F.D. também por nós que de todo coração vos damos a Benção Pastoral.

Acqui, 02 de Fevereiro de 1890.

+ J O S É     Bispo

Sac. Pedro Peloso, Secretário