Sobre o Catecismo (São José Marello - Cartas Pastorais)

SOBRE O CATECISMO
1894

J O S É    M A R E L L O

Bispo de Acqui


Ao Venerável Clero, e Diletíssimo Povo da Cidade e Diocese


SAÚDE E BÊNÇÃO DO SENHOR


Venerandos Irmãos e Filhos em cristo Diletíssimos,

Colocou-nos Deus sobre esta terra como em um lugar de passagem e de prova, onde pudéssemos merecer o ingresso em nossa morada permanente que é o céu. Mas para adquirirmos o direito á coroa de glória na bem-aventurada pátria devemos nos aproximar de Deus com a mente e com o coração, devemos reconhecê-lo e glorificá-lo como nosso soberano Senhor, devemos amá-lo sobre todas as coisas como nosso sumo e eterno Bem. Porém nós precisamos de um complexo de verdades teóricas e especulativas que  dirijam a nossa mente e de verdades morais e práticas que governem, d guisa de regras, o nosso coração e todas as suas tendências: verdades não só naturais perante as quais, pela obscuridade em nós produzida pelo pecado original, amiúde nos sentimos assaz débeis, mas também verdades sobrenaturais como sobrenatural é o nosso fim, as quais não podem ser descobertas pelo homem senão por via de revelação divina. Deus misericordioso dignou-se vir em nosso socorro e revelar-nos tudo o que devemos crer e operar para atingir a salvação; e tal revelação sua nós a encontramos compendiada no Catecismo.
O Catecismo é deveras o livro com o qual se ensina a todos, grandes e pequenos; aquela doutrina celeste que deve guiar os homens d saúde eterna. Este livro, de volume pequeno e de aparência tão modesta, compreende a ciência em torno a Deus, aos anjos, ao homens e ao mundo; a ciência do primeiro princípio e do fim último, da criação, da queda, da redenção, da graça e dos Sacramentos; do tempo e da eternidade. Neste livro nós encontramos o Símbolo dos Apóstolos, ou seja, a regra infalivelmente segura da nossa crença; o Decálogo, ou seja, os Divinos Mandamentos, que são às normas ditadas por Deus que regulam as nossas ações; e ainda nos é dada notícia de todos aqueles tesouros de supremos dons e de graças que devem manter em nós viva a fé e operosa a caridade. Com fórmulas breves, claras e harmoniosamente ordenadas o livro do Catecismo nos explica as verdades necessárias e oportunas, e que se concentram em Deus uno na essência e trino nas Pessoas, e nas obras de criação, de redenção, de santificação, de glorificação: explica-nos todos os deveres que devemos cumprir e que se reduzem substancialmente ao amor de Deus e do próximo: todos os meios para conseguir as graças divinas, que são a oração e os Sacramentos e que irão ter com o único Mediador entre Deus e os homens, Jesus Cristo homem  Deus. Na escola do Catecismo todos, também as' crianças, também as pessoas de inteligência mais curta, aprendem aquela ciência verdadeira, irrefutável, universal, que os sapientes do Mundo por tantos séculos buscaram e continuam ainda procurando, mas sempre em vão, feitos ludíbrios de sistemas que variam com seus Autores e que não souberam dar enfim, outro fruto além da dúvida e da incredulidade.
Escreveu-se que para civilizar as populações, para melhorar os costumes, para fazê-las progredir em todas as virtudes teria bastado difundir a cultura intelectual, e que cada escola que se abre corresponde a um cárcere que se fecha.
Mas já há muitos anos que a instrução vem se difundindo sempre mais largamente, que são instituídas escolas por toda parte, que se vão multiplicando os professores, que livros e jornais correm pelas mãos de todos e no entanto, quem ousaria dizer que os fatos correspondem às enaltecidas esperanças? Provam o contrário as estatísticas criminais que nos demonstram com a evidência das cifras como progride o corrupção, como aumentam os delitos de toda sorte, e, é doloroso dizer, como vai crescendo a cada dia o número dos delinqüentes de menoridade.
Ao aperfeiçoamento moral do homem, não basta o cultivo da mente sem a educação do coração: ou melhor dizendo, a instrução por si só e sem o acompanhamento da religião não pode dar luz verdadeira ao intelecto, nem mover eficazmente a vontade para o bem donde, para o progresso moral é necessário que o homem conheça o fim pelo qual se move, o fim a que tende, o exemplo que lhe deve servir de norma, a força que deve prestar-lhe a ajuda necessária e oportuna. Ora, só o Catecismo, em nos desvelando o mistério do pecado original, faz-nos saber que o homem nasce presente mente fraco e corrupto, e que portanto a primeira lei do progresso moral não é assecundar os instintos da natureza corrupta, mas refreá-los; não satisfazer todos os apetites, mas do mar, mortificar e renegar-se a si mesmo. Quem crê na vida eterna, conhece a meta da sua peregrinação terrena, sabe que o seu fim não é a terra, mas o céu, não a criatura mas o Criador, e que não sobe mas desce precipitadamente toda alma que aspire a alguma outra realidade que não seja à eterna Verdade, à eterna Beleza, ao eterno e infinito Bem. Crendo em Jesus Cristo, ouvimos a voz da fé a gritar: eis o ideal da tua vida, conforma os teus ensinamentos aos pensamentos d'Ele, os teus afetos aos seus afetos, as tuas ações às suas: transfigura-te de claridade em claridade à sua imagem. Crendo finalmente na eficácia da oração, dos Sacramentos, do Sacrifício divino, o cristão diz com São Paulo: eu, tudo posso n'Aquele que me conforta: e gloriando-se da sua própria fraqueza, sem temer obstáculos, sem receio dos inimigos, adianta-se ria árdua mas luminosa via das santas virtudes, aspira a ser perfeito como é perfeito o pai celestial.
O próprio J.J. Rousseau, que tanto escreveu para promover uma instrução isenta de qualquer princípio religioso e cujos livros tão dolorosar1ente influíram no pervertimento moral de um povo vizinho nosso, assusta do com as funestas conseqüências da sua própria ímpia doutrina, chegou, depois, a escrever estas palavras: "Eu não acho que alguém possa ser homem virtuoso sem religião. É verdade que também eu tive esta falsa idéia, mas agora eu estou completamente desiludido". E são notáveis as palavras há não muito tempo pronunciadas pelo Presidente da República Francesa, Adolfo Thiers, diante da Assembléia: "É preciso retornar ao Catecismo". Palavras que na boca daquele célebre Estadista, propagador também ele por muitos anos de teorias revolucionárias, exprimiam a convicção de que a sociedade não poderia caminhar a salvo de maiores e maus terríveis agitações se não fosse reordenada em tudo e por tudo ás doutrinas do Evangelho.
E é isso mesmo; a sociedade é insidiada pelos ensinamentos de uma moral vaga, truncada, incoerente, mutável e sem sanção eficaz; com a ajuda da imprensa são divulgadas e penetram sob todas as formas no casebre e na oficina do operário: princípios e máximas que fomentam, as paixões, que cor rompem a rente e o coração, que abalam as bases da família, que acrescem de número e de potência aquelas seitas subvetoras da própria ordem social, as quais ousam denominar-se abertamente de Revolução, de Anarquia, de Niquilismo: posto isto, a sociedade não se salvará senão, aproximando-se daqueles tesouros de sapiência e de vida que se encerram na doutrina do Catecismo que é voz d'Aquele que ensina com potestade e autoridade soberana e é o único que tem palavras de vida eterna.
Harmoniosamente proporcionada a todas as necessidades, rica de confortos, de esperanças, de consolações para todos, só ela pode tornar: os pobres virtuosamente resignados: os ricos benéficos com ordenada e perseverante caridade; os cônjuges concordes entre eles e solícitos pelo bem da prole; os filhos respeitosos e obedientes aos pais; os patrões discretos e benignos para com os empregados: considerando-os como irmãos diante de Deus. é estes operosos e fiéis no seu serviço não por temor, mas por consciência; íntegro e justo quem está no serviço da autoridade pensando que deverá prestar contas Àquele que dele o constituiu depositário: pacificamente submisso o súdito, sabendo que todo poder vem de Deus e que quem resiste ao poder resiste à vontade divina. Somente esta doutrina religiosa divinamente revelada pode estabelecer as bases da verdadeira e justa liberdade, da verdadeira e justa igualdade, dando a essas palavras tão deturpadas o seu sentido reto e invariável: liberdade que não degenere em licenciosidade, não viole o direito do outro, não se oponha ao bem comum igualdade que seja possível entre os homens e conciliável com a verdade, com a justiça, com as necessárias harmonias da sociedade humana. Desta verdadeira liberdade, desta santa igualdade a revelação é vigilante tutora ao recordar a todos a parida de origem quando fala de Deus Criador; a paridade de natureza e de sangue quando aponta em Adão o pai comum do gênero humano; a paridade do estado de culpa quando nos revela o mistério do pecado original; a paridade de resgate quando nos propõe para crermos a encarnação, a paixão e morte do Filho de Deus; a paridade do fim quando nos diz que fomos criados para possuir a Deus; a paridade dos meios que conduzem a este fim, quando nos assegura ser a virtude a única via para chegarmos ao céu, ou seja, o bom uso da nossa liberdade sob o celeste influxo da graça, e o refreamento do nosso tríplice egoísmo que tende a aviltá-lo e a perdê-lo, isto é, do orgulho, da cobiça, e da criminosa febre dos sentidos. E ao recordar-nos a unidade de origem, de espécie, de meios, de fim, esta doutrina celeste é a única que, reformando e quase criando de novo os nossos corações pode fazer germinar neles o verdadeiro amor fraterno, elevá-los àquela caridade santa e íntima que poderia formar dos filhos de Adão um só coração e uma só alma.
De todas estas coisas sois bem convictos, ó Diletíssimos, e conservais como um tesouro preciosíssimo na mente e no coração aquela ciência divina, a qual como é indispensável, para a ;ida futura, é necessária e útil para a ;ida presente. Mas não deveis guardar só para vós este inestimável tesouro; é vosso dever fazer com que participe largamente deve a nova geração, e empregar todo o vosso zelo a fim de que também ela cresça educada na escola da religião.
E em primeiro lugar nos dirigimos a vós, ó pais e chefes de família. vós sois os primeiros mestres, e os vossos lábios, como escreveu um grão Doutor da Igreja, são os primeiros livros nos quais tem início esta escola salutar: libri sunt lábia parentum. As vossas crianças carregam a imagem de Deus impressa na alma. Cabe a vós dar realce, por assim dizer, aos traços desta imagem; formar neles a boa consciência, ensinar-lhes o nome santo de Deus, daquele Ser infinito que do nada tirou todas as coisas, que é o nosso primeiro princípio e último fim. Cabe a vós fazer com que eles conheçam Jesus Cristo, o amor imenso que teve e ainda tem por nós, as suas doutrinas, os seus exemplos, os seus benefícios. Cabe a vós educar as vossas crianças desde os tenros anos a observarem a lei divina, a reconhecerem em vós e em cada outro Superior a própria autoridade de Deus, a serem justas caridosas com todos. 0h, como é comovente espetáculo de uma mãe cristã que volta para o alto os olhos e as mãos do seu filhinho ensinando-lhe a invocar o nosso Pai que está nos, céus, o nosso Divino Salvador e Senhor Jesus Cristo, a celeste Mãe Maria; que desdobra naquele coração virgem as virtudes da fé, da esperança e da caridade ali infundidas por Deus no Santo Batismo.
Já se disse que os destinos do homens estão nos joelhos da mãe. E foi dito bem, porque a boa semente semeada no tempo certo por uma mãe virtuosa no coração dos seus filhos não deixará de produzir o seu bom fruto, infecundo talvez por algum tempo, porque quase sufocado pelas paixões, mormente ,naquela idade em que tais instintos surgem tempestuosos e férvidos, mas destinados a desenvolver-se mais tarde quando as circunstâncias mais propícias e os anos maduros farão com que produza em grande profusão os preciosos frutos desejados. Por acaso a história não nos registra os mais consoladores exemplos de homem que, tendo-se entregado a toda sorte de erros e de vícios, recordando oportunamente os seus bonitos anos de inocência, enfim caíram em si, deploraram as perversões de seu passado e retomaram com generoso propósito o caminho do bem?
Vós, portanto, ó genitores, deveis ser para os ;ossos filhos os primeiros mestres na doutrina cristã; mas cumprindo a vossa parte para este grande ofício, vós não estais dispensados da outra obrigação que vos cabe, isto é enviar os vossos filhos á paróquia para que ali prossigam e completem sua instrução, necessária para torná-los aptos a receber os Sacramentos e para iniciá-los em todos os deveres da vida cristã: não se esgota o vosso dever em mandá-los, mas cumpre ainda assegurar-vos de que cheguem lá cor pontualidade e assiduidade, e examinar se tiram proveito do ensinamento recebido. Entenderiam por demais mal o interesse de sua família aqueles pais e aquelas mães que considerassem perdido, ou menos utilmente empregado o tempo que seus filhos gastam nesta aula de ciência religiosa, a qual se de sua parte pode suprir a muitas outras, não pode, por aquilo que ensina, ser suprido por nenhuma outra aula onde os filhos aprendam melhor a obedecer-lhes com respeito e amor, a ajudá-los em todas as necessidades, a assisti-los nas enfermidades e a consolá-los na velhice. Pensem sobretudo que não só na vida porvir, mas também na presente deverão expiar cada negligência e cada descuido relativamente a deveres tão graves do próprio estado.
E agora nos dirigimos a vós, ó nossos diletíssimos Cooperadores, e convosco a todos os sacerdotes que vos auxiliam; e exprimindo-vos o nosso vivo reconhecimento pela solicitude com que atendeis à instrução religiosa dos fiéis a vós confiados, exortando-vos calorosamente a perseverar com generosa constância no cumprimento deste laboriosíssimo ministério, infelizmente amiúde considerado de pouco valor por aqueles que deviam servir-se maiormente dele, mas ao mesmo tempo, fonte profícua de consolações e de méritos diante de Deus. Semeai portanto, com ardor sempre crescente em meio ds vossas populações a boa semente da doutrina evangélica, e vos seja de conforto o pensamento de vê-lo fecundo de ubertosa messe em cada mente e em cada coração, e especialmente naquele terreno virgem que são as crianças. 0hl por tão amável e ingênua porção da vossa grei, sejam os vossos cuidados presentes tão mais infatigáveis, quanto mais doces vos sorriem as esperanças do futuro. E queira Deus que, juntando a vós na mesma obra o zelo dos pais, dos professores e das almas' piedosas, a geração que se aproxima .cresça educada à escola do Catecismo pelo bom porvir da família e da sociedade.
A estes votos pelos triunfo da Doutrina Católica acrescentamos, ó V.I, e F. D., as nossas orações por Aquele que dela é o Mestre supremo e infalível, pelo Sumo Pontífice Leão XIII. Peçamos ao Senhor que depois de ter concedido ao Pai Comum a graça de celebrar em meio à exultação de todo o mundo o seu Jubileu Episcopal, queira conservá-lo ainda por longos anos em próspera vida, e dar-lhe a graça e a consolação de recolher frutos sempre mais ubertosos do seu ministério apostólico.
Rezemos ainda pelo nosso Augusto Soberano, pela Família Real e pelos poderes do Estado. Rezemos uns pelos outros para que Deus faça descer sobre todos nós a abundância dos seus celestes favores.
Grátia Dómini Nostri I.esu Christi cum spíritu vestro. Amen.

Acqui, 20 de janeiro de 1894.

+ J O S É     Bispo

Sac. Pedro Peloso, Secretário